O OLHAR DA PEDRA

A pedra inerte mirava o tempo inquieto passar
Firmava o olhar de pedra nas horas, sempre corridas;
A pedra não tinha febres na sina de não andar...
Queimava pelas fogueiras do seu desejo de vida!

A pedra sabia coisas que nem o tempo sabia
E ria com toda a força nas horas de solidão;
O tempo, que era ligeiro, muitas verdades não via
E a pedra, por ser inerte, prestava toda atenção.

Estranho o olhar da pedra nessa coxilha vazia,
Quando nem alma penada queria andar por ali...   
A pedra tinha belezas que sua memória trazia
E nelas se debruçava nesses momentos sutis.

Há tantos milhões de anos a pedra mira este mundo,
Desde o tempo em que o tempo não passava de um piá;
A pedra sempre abraçada no seu instinto de pedra
Assistia os elementos moldarem o seu lugar .

Um oceano maior que todos os oceanos,
Onde a vida ganhou vida sob os olhares de Deus;
Feras imensas reinando no mar e depois na terra,
Numa saga primitiva que a pedra não esqueceu.

Assim passaram-se eras, espécies, raios, tufões...
A pedra sempre assistindo o tempo inquieto passar;
O início da humanidade ela bombeou de soslaio
Sempre cumprindo sua sina de ser inerte e mirar.

Sentiu batidas de cascos, ouviu relinchos e berros,
Quando cavalos e gado se achegaram de além mar;
Viu a sede de conquista de quem chegou ao seu lado,
O índio ser massacrado e a cruz sangrando no altar.

A pedra viu horizontes maiores e diferentes
Quando assistiu nossa gente se erguer em revolução;
Instintos de liberdade, a morte afiando os dentes
E homens virando feras nas cores de um pavilhão.

A pedra rangia os medos de tantas almas feridas
Que, na sina de ser pedra, não conseguiu socorrer;
Já foi manchada de sangue, já foi riscada de aço,
Mas nada afastou a pedra do seu destino de ver.

Viu tantas moças risonhas passarem rumo aos seus ranchos
Ao lado de moços guapos, querendo semear futuro;
Viu o gado vir tropeado, depois em monstros de aço,
E viu o pago encolhendo nos seus valores mais puros.

Assim a pedra mirou, num resumo de resumo,
E assim a pedra ficou em frente ao tempo inquieto;
A pedra seguiu o tempo, mesmo inerte em seu sumo,
E o tempo levou a pedra nesse seu vôo secreto.

E tudo aquilo que viu, tudo aquilo que colheu,
Cada paisagem e rosto, cada momento de guerra;
Mais que uma grande viagem que o tempo lhe concedeu,
É o olhar firme do tempo plantando alma na pedra!


Cidade: Santa Maria
Autor: Carlos Omar Vilella Gomes
Intérprete: Francisco Scaramussa
Amadrinhador: Geraldo Trindade

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