CARTA AO AMIGO RIO GRANDE

Meu velho amigo Rio Grande,
Na voz dos bichos, da chuva, a noite pranta lamentos,
Pois é tempo d’invernia destoutro lado da terra. . .
Também eu, choro o momento ao te contar tal enredo,
Pois o meu peito anda ermo, quase imitando tapera. ..

Achei estar preparado prá o flete alcunhado mundo. . .
Ledo engano, nem te conto, que o matungo desengano
Me derrubou já faz tempo. . .

Cevei quimeras truncadas, no bojo do coração,
Achando q’este universo, chamado primeiro mundo,
Fosse melhor do que o nosso. . .
Patacoada mais grongueira, um balaio de inverdades
Quando mentem pro vivente, que a tal da felicidade,
Só podem ser encontrada, num jardim ornamentado,
Que batizaram cidade. . .

Meu velho amigo Rio Grande.
Cambiei dos “zóio” a mobília, viuvei das vistas do campo. .
Agora, não tenho aurora como estava acostumado:
Já não ouço sinfonia do gado mugindo em coro,
Do quero-quero alarido, latido da cachorrada
Tropilhas de puro sangue, num faz de conta, manadas,
De sabugos escolhidos, que aos berros iam ponteadas. . .

Não tem prosa de galpão nestas tardes de aguaceiro,
Nem cuia de mão em mão no mate escorropichado,
Rapadura, bolo frito, pinhão num grito estalando,
Quando apinchado na alcova d’um braseiro estorricando. . .

Meu Velho amigo Rio Grande. . .
Carteio um jeito sem custo, que não vá ferir meu peito,
Pois o mesmo quietarrão, hoje é virado em porfias. . .
Parece trazer a sina destes campeiros teatinos,
Com tantas encruzilhadas que não lhes resta opção. . .

D’um sonhador alquimista, neste palco de concreto,
Virei andante nas ruas, sentindo a pua saudade,
Atristar olhos risonhos, que amorfaram por completo. . .

Hoje me pranto aos molhos, prá não dizer aos pedaços. . .
Desmanchado,cato aos nacos,meu coração quase um caco,
Desta saudade dos meus. . .

As noites que cruzo em claro tem nos anais da memória,
Por-de-sois com marcações, rodeios com gineteadas...
Da imagem da minha amada, uma beira, quase um nada
Um leve contorno à lápis, pela poeira engolfada. . .

Neste cafundó estrangeiro, ando campeando um saleiro
Onde repor minerais. . .
Uma Cacimba que aplaque, esta m’a sede de busca,
Tantos ais, e tanta angústia, que não me cabem no peito. . .
Talvez, as velhas quimeras q’inda restam pelo mesmo,
Um dia vinguem nos campos que eu vivia, mas não vi. . .

Prá amansar ânsias renhidas, ando mastigando uns versos,
Temperados com lembranças do chão onde fui parido,
Assim, ludibrio a fome, que traz por nome saudade. . .

Meu velho amigo Rio Grande,
Ando carteando uma sina,que botou flor no meu truco,
Se o carteio é pesado? Ala fresca! nem te falo,
Mas hei de rezar meu terço, nem que eu rasgue dez baralhos. .

Buenas, vou terminando, por que a soga saudade,
Q’um dia foi espichada, faz noites, vem sufocando,
E aos poucos aperta o cerco, reduzindo sua armada. . .
Deixa estar patrício amigo, que nem tudo são angustias,
Depois de tirada a cisma, enfreno minhas domandas
De tantos ais e porquês. . .

Viro a cambona na brasa, e a taramela da casa
Por fim vai cumprir função. . .
Antes que seja tarde, e tarde a hora de voltar,
Telureio campos largos, buscando teu aconchego,
Me achego num fim de tarde, prá me embriagar de amargos,
Cevados com risos, rimas, prosa, canto e amizade. . .

Deste devaneio incerto, que um dia gerou tormentas
Nas baias do coração. . .
Será bem mais do que um rito, contada aos filhos e netos
Nestas tardes chuvarentas. . .
Será tão só nostalgia d’um manuscrito traçado,
Pois o meu foi falquejado, no dia em que fui parido. . .


Cidade: São José do Ouro
Autor: João Antonio Hoffman Marin
Intérprete: Ariel Pereira
Amadrinhador: Violão - Luis Alberto dos Santos Gonzales

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