FEITO A ÁGUA

Eu só queria um pouco do teu gosto
para adoçar minha existência amarga
e temperar essa excessiva carga
do sal que deixa os olhos, pelo rosto!

Sei que esse pouco enxugaria o mar
que encharca as várzeas desse olhar posteiro
e emprestaria o mágico tempero
que traz de volta o velho paladar!

Eu só queria um pouco de tuas cores
pra repintar o cinza das lembranças
e colorir trigueiras esperanças
pra, entre espinhos, ver brotarem flores!

Sei que esse pouco acenderia os astros,
acalmaria os ventos na janela
e, derramando chuvas de aquarelas,
devolveria o verde a esses pastos!

Eu só queria um pouco do teu cheiro
pra perfumar as estações da vida,
e essa paisagem cálida e perdida
de rancho, açude, cercas e potreiros!

Sei que esse pouco afastaria a ausência
do teu perfume por essas distâncias...
Olor agreste, súbitas fragrâncias
de campo e mato a transpirar essências!

Por que não provo mais aquele gosto
que há no teu beijo e que me acende o lume?
Por que não sinto mais o teu perfume
nem as tuas cores levam esse agosto?

Por que essa sombra a nos rondar o posto?
Talvez de tantas privações e mágoas
foste ficando fria, feito a água,
e, agora insípida, não tem mais gosto!

Será que o tempo nos levou o amor?
E, à deriva, onde a paixão deságua,
és transparente e passas, feito a água,
levando a vida assim, tão incolor!

Será que a gente, sem saber, devora
o que sentia e que depois se apaga?
Por isso estás vivendo feito a água,
distante, alheia, cíclica, inodora...

Nem mesmo o pranto do meu par de esporas
abre em teus olhos uma queda d’água...
Foste ficando livre feito a água
que, de repente, some ou se evapora!

Talvez, num posto velho nas lonjuras,
nem mesmo a química, afinal, suspeite
que eu, ano a ano, me tornei o azeite
que, com a água, já não se mistura!

Foste ficando feito a água, é certo...
Porém, as culpas eu também carrego!
Colaborei até bem mais, não nego,
pra essa distância vir morar tão perto...

Mas hoje estou te oferecendo um mate
olhando dentro dos teus olhos mansos,
onde eu fiquei, perdido num remanso,
por muitos anos, fora de combate!

Talvez não seja tarde, companheira,
pra remexermos os tições do fogo
e reverter os rumos desse jogo
que nos consome quase a vida inteira!

Sentindo a falta desse amor, compreendo,
que, muito dele, ainda em mim, perdura!
Se és feito a água, é dessa água pura
que eu necessito pra seguir vivendo!

Cidade: São Borja
Autor: Rodrigo Bauer
Interprete: Pedro Júnior da Fontoura
Amadrinhador: Violão - Diogo Matos

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