Romaria


Joelhos rotos vão semeando gotas rubras
no trajeto de tortura e de louvor,
a carne viva cada vez fica mais viva
num martírio que exorciza a própria dor.

As promessas se glorificam sem pressa
amparadas pelas tropegas passadas
no sagrado alumbramento do caminho...
Urgem pelas graças suplicadas
ladainhas e terços sussurrados
no cortejo de campeiros peregrinos...

São terríveis as amargas que digerem
nas entranhas de uma vida inconsequente,
olhos fitos na imagem venerada
empurrados pelo transe reverente...
São lentos os rumorejos das preces
e rudes as oferendas no andar,
são corpos de carnes mortificadas
que o fracasso já cansou de castigar...

São devotos despilchados do meu Pago.
Rogai, rogai por eles Minha Santa...

Os dedos que se cruzam são judiados
e tremem os movimentos das mãos
calejadas pelos cabos das enchadas
e por cepas cambaleantes dos arados,
mas bonitas em postagens de oração...

São lerdos os braços descarnados
que domaram bois de cangas e cavalos,
embrutecidos pelos golpes quase férreos
no manejo de marretas e machados,
mas são fartos de forças e vigor
pra levarem por divina recompensa
o seu trono imaculado no andor...

Não sabem os porquês de suas fraquezas...
Não sabem os porquês de suas desgraças....
São refugos extraviados de uma raça
renegados pelo tempo e pela sorte...
Ignoram os porquês de seus pecados
e ignoram os porquês da própria morte...!




São terrunhos despeonados do meu Pago.
Rogai, rogai por eles Minha Santa...

Clamam espíritos moribundos
no percurso penitente percorrido...
Batem os distúrbios do desgaste
na engrenagem dos membros corroídos...
Gritam malsinados pecadores
que o descaso condenou por esquecidos...

... se erguem as carcaças que sucumbem
no rebojo de um dormente desatino.
... se propagam os pedidos de perdão
nos percalços do milagroso caminho.
... os lamentos de aleluias repercutem
nas estocadas pontiagudas dos espinhos...!

Arames farpados cingem
consciências pecaminosas...
Punhais de erros judiam
corações arrependidos...
O lenho das cruzes cala
sobre as feridas dos ombros
e o próprio orgulho rasteja
esmagado pelos tombos...

São os parias desvalidos do meu Pago.
Rogai, rogai por eles Minha Santa...

São meus joelhos que semeiam gotas rubras
no trajeto de tortura e de louvor...
mas prossigo contrito e resignado
arrastando o meu fardo de pecados
que me enche de remorso e de pavor...!
E queima a minha alma em sacrifício
ruminando os porquês de sua miséria...
- esta alma só despertou para a fé
quando a dor se apoderou da matéria -

Rogai, rogai por mim, Minha Santa...
E intercedei junto a Deus
pra que eu alcance um perdão,
pois nunca usei para o bem
as virtudes que Ele me deu...

... se é que existe perdão

pra um errante como eu.. 


Luiz Lopes de Souza 
 

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