Remorsos de Um Velho Corredor de Carreira








No lagrimejar dos olhos   
um singelo contato,
as mãos decifravam tristezas e angustias transparecidas em pranto
entre as rugas,deste velho corredor de carreira.

No santa fé do galpão
preparo um mate ao meu jeito.
Boleio o olhar na direção do fogo grande...
As labaredas mui ariscas
como num bordejar de guitarras
me cutucam a alma, colocando-me
ao encontro do meu passado.

Era moço ainda, potro xucro e sem porteira.
Na carreira era o mais temido, pois, não havia índio mais ligeiro!

Jamais fazia isso, para ser mais que os outros.
Era uma questão de berço
Jeitão entonado e, coração de gigante...

- Sorvo um mate de coragem...
Busco a respiração que me falha
tento proceder com a prosa
pois,  necessito contar esta história.

- Era domingo, e domingo no pago
tudo era festa! Tudo era jogo!
O povoado reunido em comunhão
Para mais uma carreirada.
O Sapucaí corria frouxo!
A felicidade passarinheira tomava conta do lugar.

As prendas se enfeitavam, e a peonada dividida entre,
o alvoroço das apostas,
e o preparo dos animais.

Não sei quem estava com mais medo.
Eu, ou meu potro na direção daquele
partidor...
Só ouvi um grito e, um silêncio tomou conta de mim.

Esporeie meu cavalo e me fui....A la pucha! Nunca se ouviu falar de uma carreira igual aquela...
Encostado lado a lado, focinho a focinho
Meu coração batia no compasso do meu cavalo.

Um alucinante momento onde homem e animal
andam juntos, pois,  um dependia do outro
Traçando o mesmo ideal.
Num inconfundível momento.

E de repente num pealo vi a terra lá de cima e o chapéu que me abanava longe,
chegando antes de mim ao chão.
Aquele instante, para mim foi o tempo mais longo do mundo...
Parecia que pressentia, que aquele tombo não era como muitos que outrora levara,
- te juro, frouxei as pernas aquele dia.

Dali me levaram aos gritos
meu corpo não se mexia, mas,  meus olhos
observavam todo o movimento,
a última coisa que me lembro, é de ver o olhar do meu pingo,como que a me avisar que,
a peleia seria braba pra mim.

Passaram-se muitos anos,
aconteceram muitas carreiras.
Houveram muitos vencedores,
Mas, em nenhuma delas,
se quer se ouviu falar, do afamado
corredor de carreira.
Hoje este velho chora remorsos
nestes versos, chora toda vez
quando olha sua terra
sem poder sentir, o seu passo no chão.

O velho corredor de carreira,  entonado peão, contador de causos...
Hoje vive em uma prisão de rodas
mastigando o xucro guizado
que lhe preparou o destino.

Me espanta em ver em seus olhos esbugalhados refletidos nos meus,
um lagrimejar sentido,
mostrando-me o fim da vida
bem ali, diante de mim.

E peregrino segue o velho,
empurrado de casa em casa, juntando ciscos para contar histórias,
trazendo recuerdos em sua 
memória de guri.
Potro xucro e coração gigante
o mesmo andante da carreirada de domingo, que um dia perdeu o tino
e a graça de seu andar.

As vezes, vejo o velho reclamar sozinho, talvez seja sua forma de dar asas a imaginação...
Lá do cantinho da casa,  o ouço dizer:

“Já montei, tô pronto.
Benção Mãe Aparecida...Pode largá;
Oigalêêêêêêê...”

Dali a pouco volta a si, e o vejo chorar a realidade nesta prisão de rodas, trazendo consigo a esperança de uma nova aurora, de cabeça erguida,
vergando o braço, olhar no horizonte, e dele espora!
Ouço o trovejar de cascos da morte maleva que lhe convidam pra uma nova carreirada, tendo o Rio Grande como bandeira levando o terço na gibera e, dando um buenas no partidor do  céu.

Tiago Ilha

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